sábado, 19 de janeiro de 2008

baque seco


Enquanto eu caía não vi minha vida passar, só a calçada estava lá, de ruas abertas me esperando. Cheguei ao meu fim pontualmente às doze. Mesmo desmaiado estou plenamente consciente de minha triste situação. Eu poderia me erguer, acho que conseguiria se tentasse, mas acho melhor não, talvez o melhor agora fosse morrer.
Infelizmente isso não sou eu quem decido e passados alguns minutos, ou horas, desperto. Mas não me ergo, estou decidido a não fazer nada por mim, nada que me tire dessa. Gostaria mesmo de afundar na calçada, ser tragado pelos esgotos e despejado no mar com o resto da sujeira, mas também já estou ficando cansado de esperar. Toda minha vida eu esperei, eu esperei a minha vez pacientemente, eu planejei cada detalhe minunciosamente, estudei as possibilidades, consultei os astros, calculei as chances, tropeçei por fim, caí, e não desejo me levantar mais pois tudo está perdido, bem sei. Agora mesmo os guardas já deram falta, não precisam nem contar dois mais dois para entenderem a coisa toda de tão simples que ela é: um corpo, uma maleta cheia de grana e uma mulher. Tudo muito clichê. E eu que sempre evitei os filmes de caubói e as loiras, por causa de uma estou metido em um.
Ela é o diabo. Penso nela enquanto morro...
Então, consciente, me ergo. Espero um pouco. Nada acontece. Percebo que não basta morrer, não é simples assim, e decidido a voltar a cair e dessa vez de uma vez por todas, volto ao bar. Quando o circo está armado os personagens assumem seus papéis, então, haverá um corpo nessa maldita história, o meu.
No bar conto alto a alguém que há um corpo na calçada em frente, todos ouvem, todos fingem que não. Absolutamente desconcertado, peço mais uma dose, ela não vem. Alguém se aproxima, patas e chifres, tudo bem clichê. Ele caminha devagar, ele carrega uma maleta. Apesar da aparência repugnante é um rosto amigo, familiar até. Não precisamos de apresentação, naturalmente. Ele me pede uma ficha, sai, faz uma ligação, retorna, larga sobre a mesa a maleta, na jukebox uma velha canção...

And I followed her to the station
with a suitcase in my hand
And I followed her to the station
with a suitcase in my hand
Well, it's hard to tell, it's hard to tell
when all your love's in vain
All my love's in vain

Ouço as sirenes, elas vêm em minha direção.

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