"Em cada período crítico da minha vida pareço haver tropeçado num grande autor capaz de amparar-me. Nietzsche, Dostoiévski, Faure, Spengler: que quarteto! Houve outros, naturalmente, também importantes em certos momentos, mas nunca possuíram a amplitude, a grandeza dos quatro. Os quatro cavaleiros de meu Apocalipse partícular! Cada um expressando inteiramente sua qualidade específica: Nietzsche, o iconoclasta; Dostoiévski, o grande inquisidor; Faure, o mágico; Spengler, o modelador. Que fundação!
Nos dias do porvir, quando eu parecer sepultado, quando o firmamento ameaçar cair sobre minha cabeça, serei forçado a abandonar tudo, exceto o que esses espíritos em mim implantaram. Serei esmagado, aviltado, humilhado. Serei frustrado em todas as fibras do meu ser. Posso até ser levado a uivar como um cão. Mas não estarei completamente perdido! Raiará o dia em que, repassando a vida como se ela fosse uma história ou a história, poderei nela detectar uma forma, um modelo, um significado. Daí em diante a palavra derrota se tornará inexpressiva. Será impossível uma reincidência.
Desse dia em diante, eu me torno e permaneço fiel à minha criação.
Um outro dia, numa terra estrangeira, aparecerá diante de mim um jovem que, consciente da mundança que em mim se processou, me alcunhará de "O Rochedo Feliz". Este o apelido que darei quando grande Cosmocriador perguntar "Quem és?"
Sim, sem sombra de dúvida, eu responderei: "O Rochedo Feliz!"
E se me for perguntado: "Apreciaste tua estada na terra?" eu responderei: "Minha vida foi uma longa crucificação encarnada".
Quanto à significação disso, se ainda não está claro, será elucidada. Quero ser um cão na manjedoura, se falhar.
Uma ocasião, pensei ter sofrido o que nenhum outro homem sofreu. Por me sentir assim, fiz o voto de escrever este livro. Mas, muito antes de iniciar o livro, a ferida cicatrizara. Tendo jurado cumprir a promessa, reabri a horrível ferida.
Permitam-me outra expressão...Talvez, ao abrir a ferida, minha própria ferida, eu fechasse outras feridas, as chagas de outra pessoa. Algo morre e refloresce. Sofrer na ignorância é horrível. Sofrer deliberadamente a fim de compreender a natureza do sofrimento e aboli-lo para sempre, é outra questão inteiramente diversa. Buda teve um pensamento fixo a vida inteira, como sabemos: era eliminar o sofrimento humano.
Sofrer é desnecessário. Mas temos de sofrer antes de sermos capazes perceber que isso é assim mesmo. Somente então o verdadeiro significado do sofrimento humano fica claro. No último momento desesperado - quando já não podemos sofrer mais! -, algo acontece, da natureza de um milagre. A grande ferida aberta, que vertia o sangue da vida, se fecha, o organismo floresce como uma roseira. Estamos "livres" por fim, e não "com saudades da Rússia", mas com a ânsia de mais liberdade, de mais felicidade. A árvore da vida é mantida viva não por meio de lágrimas, mas pelo conhecimento de que a liberdade é real e perpétua."
Um comentário:
http://www.youtube.com/watch?v=lz3HT72_hf4
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